Negócio rende 3 milhões em 6 dias
Um terreno comprado por um milhão de euros a uma família falida e vendido seis dias depois por quatro milhões à STCP. Em síntese, foi assim feito o negócio da Quinta do Ambrósio, em Gondomar. O processo já está no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto e com despacho do Ministério Público
A investigação da Polícia Judiciária propôs a acusação dos envolvidos: Valentim Loureiro, o seu filho Jorge, o vice--presidente da Câmara de Gondomar, José Luís Oliveira, o advogado Laureano Gonçalves e o presidente do conselho de administração da Metro do Porto, Oliveira Marques. Neste processo, o presidente da Câmara de Gondomar poderá ser acusado de branqueamento de capitais. Contra Oliveira Marques deverá recair o crime de gestão danosa, enquanto presidente da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto.
O negócio da Quinta do Ambrósio, na freguesia de Fânzeres, foi feito durante 2001. A quinta pertencia à família de Ludovina Castro mas devido à avançada idade da senhora foi a filha Maria de Lurdes quem negociou com o presidente da Câmara de Gondomar, Valentim Loureiro, em finais de 2000. Nessa altura, o major terá garantido à herdeira que o terreno afectado como parcela da Reserva Agrícola Nacional nunca seria alvo de construções imobiliárias. O destino da quinta era uma estação de recolha de viaturas da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, que na altura era presidida por Oliveira Marques.
O valor acordado com foi de pouco mais de um milhão de euros e a família passou uma procuração a Laureano Gonçalves dando-lhe plenos poderes para a venda dos terrenos.
Entretanto foi constituída uma sociedade formada pelo vice-presidente de Loureiro, José Luís Oliveira, Jorge Loureiro, filho de Valentim, e pelo advogado Laureano Gonçalves, ex-membro do conselho geral do Boavista Futebol Clube e ex-dirigente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.
O negócio concretizou-se a 5 de Dezembro de 2001. Valentim Loureiro, o filho Jorge e os restantes envolvidos no negócio ganharam, em menos de um ano, cerca de três milhões de euros. Pouco tempo depois a Câmara de Gondomar desafectou o terreno da Reserva Agrícola Nacional e autorizou a construção de 53 metros quadrados.
Mais tarde a família de Ludovina Prata disse ter sido 'ludibriada' neste negócio.
VALENTIM PRESSIONOU OS DONOS DA QUINTA
A família que vendeu a Quinta do Ambrósio disse na PJ que foi pressionada por Valentim Loureiro a vender os terrenos com a garantia de que não seriam para projectos imobiliários porque serem reserva agrícola.
COMPRA E VENDA A CORRER
Foi um negócio de compra e venda em tempo recorde. Os proprietários da Quinta do Ambrósio iniciam negociações com o presidente da Câmara de Gondomar, Valentim Loureiro, em finais de 2000. Apenas seis dias depois há uma promessa de venda do terreno à STCP.
A 15 de Março de 2001 a família passa uma procuração ao advogado e amigo do ‘clã’ Loureiro, Laureano Gonçalves, que a 12 de Outubro do mesmo ano vê a autarquia de Gondomar desafectar o terreno da Reserva Agrícola Nacional. Uma semana depois, a 18 de Outubro, Valentim Loureiro leva para a aprovação na Câmara a atribuição de capacidade de construção urbana aos terrenos agrícolas da quinta. A maioria PSD na Assembleia Municipal de Gondomar ratifica a decisão em 31 de Outubro.
Em Dezembro de 2001 o terreno é vendido à STCP por quase quatro milhões de euros.
O presidente da Assembleia Municipal de Gondomar, António Araújo Ramos, também está indiciado no processo e o vice da autarquia gondomarense, José Luís Oliveira, terá transferido uma avultada quantia em dinheiro pa-ra uma conta bancária offshore de Araújo Ramos poucos dias após ter sido preso preventivamente no ‘Apito Dourado’, em 2004.
Fernando Paulo, vereador de Valentim em Gondomar, também é suspeito de envolvimento no negócio da Quinta do Ambrósio.
Em causa poderão estar vários crimes, entre os quais branqueamento de capitais, burla, participação económica em negócio, prevaricação, abuso de poder e, eventualmente, no caso da empresa pública, administração danosa.
O caso aparece também relacionado com as várias investigações do ‘Apito Dourado’.
A Inspecção Tributária detectou mais tarde que os três vendedores do terreno – Jorge Loureiro, José Luís Oliveira e Laureano Gonçalves – só declararam a sisa entre 2004 e 2005, depois de desencadeado o processo ‘Apito Dourado’, no âmbito do qual foram apreendidos vários documentos suspeitos na casa de José Luís Oliveira.
A PJ efectuou também buscas nas residências dos outros intervenientes no negócio da quinta e na Câmara de Gondomar. Da autarquia os investigadores levaram documentação que refere ainda ao Plano de Urbanização de Fânzeres, do qual fazia parte o negócio dos terrenos da Quinta do Ambrósio.
'SIGAM O EXEMPLO DE RUI RIO NO PORTO' (Miguel Veiga, advogado)
Correio da Manhã – A corrupção autárquica é um flagelo político?
Miguel Veiga – É para quem não é honesto e neste país agora a honestidade dos políticos é uma qualidade quando devia ser uma inerência aos cargos que desempenham. Mas ainda há alguns políticos honestos, como Rui Rio, que é o campeão anti-corrupção.
– Como se combate a corrupção autárquica?
– Com coragem. Sigam o exemplo de Rui Rio no Porto. Ele acabou com todas as formas de tráfico de influências ou dos lóbis. Ele tem uma gestão de rigor e transparência e não teve de mandar prender ninguém. Teve foi coragem de enfrentar os interesses económicos.
– Esses interesses também contribuem para atentados urbanísticos?
– Claro que sim. São crimes graves e este país está cheio deles precisamente porque houve tempo em que se construía em nome dos interesses económicos.
O POVO É QUE PAGA (Paulo Morais, Professor universitárioe ex-vereador da Câmara Municipal do Porto)
Gastam rios de dinheiro em propaganda. Para manterem o poder, os partidos políticos não olham a meios. São milhões de cartazes, operações de marketing, jantares de vitela assada, concertos de música popular… A imaginação é pouca, mas os gastos ilimitados.
De onde vem o dinheiro para todo este esbanjamento? Das subvenções de Estado, que atribui a cada partido determinada quantia em função do número de eleitores, e essencialmente de donativos – de particulares, mas sobretudo de empresas.
O financiamento da vida política e partidária tem em Portugal duas facetas: as campanhas e o partido propriamente dito, por um lado, e, por outro, a subsidiação da vida pessoal de políticos, que assim acumulam fortunas imensas.
Mas não só estes. Também enriquecem os angariadores de verbas para os partidos, que cobram comissões obscenas: por cada cem mil euros arrecadados retêm quarenta mil e apenas entregam sessenta. Ninguém parece importar-se, até porque os partidos não param de sorver recursos e os angariadores vão ficando milionários.
Só que as empresas financiadoras querem obviamente contrapartidas. É legítimo que assim seja, ou então estariam a defraudar os seus investidores e accionistas. Os partidos, não dispondo de meios próprios, só podem garantir essas contrapartidas com benesses concedidas à custa de recursos públicos. Os directórios partidários transformam-se assim em bandos de assalto ao aparelho de estado. Aí instalados, políticos e dirigentes exercem o poder administrativo que os lugares lhes conferem, em benefício de quem os financia – é até uma questão de gratidão e boa educação. Abdicam da lealdade ao povo que os elegeu a favor da fidelidade a quem os financia e suborna.
Os doadores são assim os mais beneficiados. O retorno do seu investimento é certo, rápido e colossal; sob a forma de favores do Estado, à custa de recursos colectivos. Em suma, no final quem lhes paga somos todos nós.
QUEM É QUEM NA INVESTIGAÇÃO DA CORRUPÇÃO
CARLOS FARINHA
Funchal é a inspecção da PJ onde es-tá. Coimbra foi onde começou a carreira. Estudioso: um traço forte do seu perfil.
Subiu a pulso na PJ, onde começou como perito e desempenhou vários cargos de direcção. Um dos momentos mais importantes da sua carreira foi quando esteve no combate ao crime económico sob a liderança de Maria José Morgado. Voltaram a trabalhar juntos na equipa especial do ‘Apito Dourado’ e têm grande convergência de ideias sobre Justiça e investigação criminal. Licenciado em Direito,é também especialista no combate a crimes contra menores.
CARLOS TEIXEIRA
‘Apito Dourado’ foi o caso que o tornou conhecido. Gondomar a comarca onde está. Coragem: um facto.
Colocado há anos na comarca de Gondomar, apanhou com o terramoto ‘Apito Dourado’, que trabalhou em clima de grande solidão. Submetido a pressões, externas e internas, soube resistir sem alarido. O processo do negócio feito pelo clã Loureiro com a Quinta do Ambrósio recebeu o seu impulso.
CARLOS ANJOS
Asfic, é o presidente. Porta-voz da PJ não é, mas tem feito esse papel. Autarquias é um tema que domina.
Mais conhecido pelas funções de presidente da Asfic, Carlos Anjos tem a seu cargo uma brigada que trabalha em exclusivo os casos da Câmara de Lisboa.Os colegas Simões Horta e José Minhoto são os responsáveis pelas equipas que trabalham os restantes processos autárquicos.
NOTAS
ACERTO DIRECTO
A família afirma ter acertado o negócio directamente com Valentim nas instalações da Câmara de Gondomar.
PROCURAÇÃO
O advogado Laurentino Dias recebeu uma procuração da família e ficou com todos os poderes para vender os terrenos
'APITO DOURADO'
Este processo é uma das certidões do ‘Apito Dourado’, que se manteve na equipa que investigou a corrupção em Gondomar. Foi acompanhado pela equipa de Maria José Morgado.
DA STCP AO METRO
Oliveira Marques, actual presidente da comissão executiva do sociedade Metro do Porto, era presidente da STCP à data do negócio.É suspeito de ter ajudadoa viabilizar o negócio.
ESTAÇÃO PARADA
A estação para a STCP ficou na gaveta porque se chegou à conclusão de que os motoristas perderiam diariamente muitas horas de viagem se mudassem a recolha para o concelho de Gondomar.
TERRENOS
Algumas moradias foram entretanto construídas nas imediações da Quinta do Ambrósio mas o Plano de Urbanização de Fânzeres ficou com muitos projectos imobiliários comprometidos.
Fonte:
Manuela Teixeira / Tânia Laranjo